TEM Q PENSAR: teatro punk, anarquista e crítico nas ruas de Curitiba (1997/1998)

TEM Q PENSAR: teatro punk, anarquista e crítico nas ruas de Curitiba 

No final dos anos 90, em meio à efervescência contra cultural que ocorria no Squat Payoll, nasceu o grupo de teatro TEM Q PENSAR, um coletivo cênico formado por punks para experimentar uma maneira nova de expressão artística e política. 

Era composto por:
-Girino, 
das bandas LAI, Difekto, Monurb 116, entre outras;
-China, vocalista eterno da banda Nervoróticos, figura sempre agitadora e muito ativa na cidade, fazia o Zine Andrajoso;
-Minhoca, artista criativo e persistente, vocalista do Difekto nesta época;
-e Dodô, presença querida e sempre engajada na cena punk curitibana. Fazia também o Zine Reciclando Pensamentos

Um nome pensado por acaso 

A denominação curiosa surgiu espontaneamente durante uma reunião em que, ao tentar nomear a trupe ainda em formação, os integrantes não chegavam a nenhum consenso. Foi então que alguém dali comentou:
- É, o nome tem que pensar...
A frase então acabou soando meio engraçado e todos concordaram em adotar aquilo como nome. Era simples, direto e remetia bem a ideia do projeto. 

Arte nas ruas 

O coletivo se apresentava com frequência antes de shows punks, mas não se limitava apenas a isso. Levavam o teatro para ruas, eventos independentes e espaços alternativos, sempre com sua maneira crítica, poética e provocadora.

Um momento marcante aconteceu em 09/11/1998, na abertura do show de lançamento da segunda demo tape da banda LAI. Com a peça "A VIOLÊNCIA USA FARDA". Que criticava a violência e os gastos militares.


Texto retirado do Zine Info Punk nº5 (1998) e Cartaz feito pelos amigos do Projeto À Margem

A apresentação foi gravada em vídeo cassete e esta fita está guardada comigo desde 1998. Hoje finalmente está aqui disponibilizada online. Acredite que isso é um registro realmente raro e inédito. (Logo irei digitalizar novamente e publicarei o show na integra e algumas cenas bônus).

Registros gráficos 

Um dos materiais que sobreviveu ao tempo é o cartaz que anunciava uma das peças do grupo, nesta apresentação na Boca Maldita na Rua XV de novembro. Neste período grande parte das manifestações punks ocorriam ali na frente do McDollars.


Grupo de teatro Tem Q Pensar com a peça: "ELAS AQUI E NÓIS NADA". 

Seu conteúdo visual e textual transmite uma crítica explícita à industrialização e à precarização do trabalho no formato capitalista. As imagens em preto e branco não tem informação de autoria, mas retratam com fidelidade a ideia da peça numa paisagem industrial, com um ser estranho dançando, chaminés soltando fumaça, um edifício fabril e um grupo de pessoas diante dele como se estivessem atônitas. O texto impresso era autoral, coletivo e poético: 

"Lá vem as fabricas e consigo trazem, a primeira vista, alegria a todos
Lá vem elas e trazem trabalho a todos; e como trazem todo tipo de trabalho
Lá vem elas devastando tudo e todos; desde a mente de operários até a mata que seus filhos não verão
Lá vem elas e consigo irão as árvores; os animais ficaram, mas sem ter para onde ir
E consigo os peixes sufocados pelo desgosto de esgotos jogados em seus rios; que vomitarão lixo também

Lá vem elas e consigo trazem também cinzas aos olhos do céu; acelerando o capitalismo, trazendo tecnologia e máquinas
Então elas vieram e fizeram de homens seus escravos; e estes chegaram a um ponto de estarem desempregados e desamparados
Imagine-se cercado por elas, dominado por elas. E elas?
Elas aqui, ali, aí, lá, acolá.
E elas? Elas aqui e nóis nada."

Essa composição explica a objetividade convicta do ponto de vista do Tem Q Pensar. O controverso avanço tecnológico trazendo máquinas, produtividade e promessas... gerando poluição, alienação e desigualdade. 


Recorte do Zine Resistência Acrata nº1 1997

"Por motivo de insatisfação e de manter a arte viva e atenta.
Formado então por 4 indivíduos envolvidos na cena punk de Curitiba, visando a arte de expressão, como manifestando muitas ideias e questionando conceitos massificados, muitas vezes até mesmo pela arte. Sendo que os integrantes do TEM Q. PENSAR também tem outras atividades culturais na cena como zines, bandas, squat e trabalho com centro cultural. Mas é no teatro que manifestamos direto aos olhos da massa. 
O grupo já tem montadas 2 peças, uma falando sobre os gastos militares que se chama ''A VIOLÊNCIA USA FARDA" e outra falando sobre o imperialismo americano "ELAS AQUI E NÓIS NADA". Essas peças já foram apresentadas, em escolas, shows beneficentes e também em manifestações.
Para contactar com o grupo escreva para CX POSTAL 17.333 CURITIBA-PR CEP 80242-992"


Recorte do Zine Info Punk nº6 1998

Cita também as participações nos protestos de Sete de Setembro, Grito dos excluídos (relatado no recorte de jornal ao final da matéria) e no dia 9 de novembro em um show beneficente ao Movimento Negro; com a peça "A violência usa farda". Também com a peça "Elas aqui e nóis nada" na escola Lysimaco Ferreira da Costa (onde o Girino era aluno de magistério e a diretora curiosamente era mãe do Lorens, vocalista da banda Criaturas de Morfeu). 


Recorte do Zine Info Punk nº6 1998

Sobre a apresentação no Teatro TUC, também em benefício a Invernada do Paiol de Telha.

Esta comunidade em Guarapuava é remanescente de quilombo e reconhecida por sua luta pela titulação de suas terras. A Invernada do Paiol de Telha é um exemplo de resistência e luta por direitos territoriais e culturais. Foi uma das inspirações para dar o nome de "Payoll" para o squat curitibano (antes haviam pensado na opção do nome SPA - Squat Punk Anarquista).

Dodô (de vermelho) e Minhoca (em pé) na Rua XV


Girino e China no protesto do Grito dos Excluídos em 7 de setembro de 1997
(Foto de Pedro Serapio /  Gazeta do Povo)

O texto da faixa diz:
Milhões são gastos em armas e outros morrem de fome. Em um país de miséria, onde armas são aplaudidas.
Essa era um trecho da letra de uma banda daqui chamada "Transgressão". Infelizmente sem nenhum registro em áudio.

Neste dia ocorreu uma apresentação do grupo num protesto anti militar, eles seguram uma faixa em frente à uma antiga viatura Chevrolet Ipanema. Esta foto saiu no Caderno G da Gazeta do Povo de 20 de setembro de 1997. Nesta a legenda dizia justamente "teatro nas ruas." Entre relatos do Girino, China, Piolho e Minhoca para descrever um pouco da cena da época, vale tanto a leitura que deixo aqui publicado.


O punk ocupando novos espaços com arte

Esse relato é pra registrar o que vivemos, pra contar a quem não viveu e, quem sabe, pra inspirar outros projetos similares.
Fica portanto a ideia lançada para que a nova geração possa "ter q pensar" na possibilidade de planejar alguma coisa inspirada nestes modelos tão interessantes, isso seria realmente legal de ver.

Se por acaso alguém tiver algo que corrigir ou acrescentar, mesmo que sejam lembranças pessoais, por favor faça um comentário que ele será acrescentado nesta matéria.

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